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O PROCESSO DE VINIFICAÇÃO - VINHO DA MADEIRA



Os primeiros vinhos produzidos no arquipélago da Madeira não eram vinhos fortificados e a descoberta do vinho generoso apenas surgiu quando se intensificou o comércio do vinho tranquilo para outras latitudes. Os produtores, temendo que o vinho azedasse na viagem, procediam ao seu enriquecimento com aguardente de cana.


Porquê aguardente de cana? Porque em 1425 a cana de açúcar foi introduzida na Madeira através de estacas provenientes da Sicília. Em 1466 e devido às condições edafoclimáticas, o açúcar torna-se a principal produção da Madeira e é dali exportado para Portugal Continental, Golfo da Guiné e África, e alcança ainda os mercados do Mediterrâneo e do Norte da Europa. Com a abundância da matéria-prima, nasce na Madeira a tecnologia, actualmente usada em todo o mundo, para produzir e transformar cana sacarina em açúcar, mel, rum (aguardente de cana) e álcool.

Contra tudo o que se julgava provável, constatou-se também que o vinho transportado nos navios, que tornavam às ilhas depois destas jornadas, revelava uma melhoria singular na sua qualidade. O calor e a constante oscilação provocada pela ondulação do mar, em vez de degradarem as propriedades do vinho, conferiam-lhe um bouquet mais concentrado, complexo e uma suavidade extraordinária.

A fama destes vinhos ganhou uma tal dimensão que passou a ser prática o seu embarque apenas para que realizasse a viagem de ida e volta (muitas vezes até à Índia), de modo a que adquirisse este carácter único. Nasceu, assim, o "Vinho de Volta", "Vinho de Roda da Índia" ou simplesmente "Vinho de Roda", nomes com os quais negociantes e exportadores os apelidavam.

No entanto, este processo de maturação não só era dispendioso, como a sua demora não permitia responder à crescente procura pelo vinho. Assim, por forma a solucionar este problema, os produtores aperfeiçoaram dois métodos de estágio: Estufagem e Canteiro, que procuram criar condições semelhantes às do "Vinho de Roda" em terra firme.



Etapas da vinificação do Vinho da Madeira

Recepção e Desengace

Ao chegarem à adega, as uvas são mantidas separadas por castas, de forma a ser possível conduzir a sua vinificação de acordo com as especificidades de cada casta.
De modo a separar as uvas por gamas de qualidade e a realizar lotes equilibrados, tanto do ponto de vista enológico como sensorial, procede-se à avaliação do estado fitossanitário das uvas, bem como à quantificação da sua riqueza de aromas e taninos. A concentração de açúcares é ainda importante para a determinação da altura e da quantidade de aguardente a administrar, de forma a obter, no vinho final, a doçura e teor alcoólico pretendidos.
Na vinificação dos Vinhos da Madeira, as uvas são quase sempre desengaçadas, especialmente quando se pretende realizar macerações peliculares pré-fermentativas ou a fermentação com as massas. Deste modo, diminui-se o risco da presença de aromas herbáceos no vinho.


Prensagem

A prensagem é realizada antes (bica-aberta) ou após a fermentação alcoólica (curtimenta), consoante se pretende que esta seja realizada sem ou com a presença das massas. Geralmente, opta-se pela utilização de prensas que permitam prensagens suaves, salvaguardando que não ocorra extração de aromas desagradáveis das graínhas.


Decantação

Efectuada ao mosto ou ao vinho (ou seja, por fermentar ou já fermentado, dependendo de que tipo de vinificação se escolheu) tem por objectivo a eliminação das borras mais grosseiras, de forma a diminuir o risco de aparecimento de aromas desagradáveis. Este processo é normalmente realizado com recurso à decantação estática, na qual o líquido é deixado em repouso 24 a 48 horas, para que as borras sedimentem, sendo de seguida transfegado para outra cuba.


Aguardentação

De acordo com o teor de álcool provável inicial (concentração de açúcares das uvas) e o grau alcoólico e de doçura finais pretendidos para o vinho, determina-se a quantidade de aguardente e o momento da fermentação em que se procede à sua aplicação.
De uma forma geral, os Vinhos da Madeira devem apresentar um teor alcoólico adquirido compreendido entre 17 e 22% por volume e uma concentração de açúcares residuais inferiores a 150 g/L (gramas por litro). Nos vinhos monovarietais, o seu grau de doçura final é em função da casta que lhe dá origem.
No que respeita à natureza do álcool utilizado, nos Vinhos da Madeira procura-se que o processo da aguardentação não induza uma diluição muito acentuada do vinho, pelo que se utiliza, hoje em dia, álcool vínico de 96% (mínimo).

Classe Casta Grau Baumé
(ºBe)
Açúcar residual
(g/L)
Extra-seco Sercial 0,0 a 0,5 < 49,1
Seco Sercial 0,5 a 1,5 49,1 a 64,8
Meio-seco Verdelho 1,5 a 2,5 64,8 a 80,4
Meio-doce Boal 2,5 a 3,5 80,4 a 96,1
Doce Malvasia 3,5 a 6,2 > 96,1
* Grau de doçura de acordo com as castas utilizadas.


Remontagem

Durante a fermentação alcoólica com as massas realizam-se remontagens de forma a enriquecer o vinho em compostos peliculares (aromas e estrutura). Após a adição do álcool vínico procede-se a uma remontagem de forma a garantir a sua correcta homogeneização.


Estágio**

De forma a recriar condições idênticas à dos navios nas rotas dos trópicos, foram aperfeiçoados dois métodos de estágio ou maturação para os Vinhos da Madeira, o método de Estufagem e o método de Canteiro:

* Estugagem
Este método é usado, hoje em dia, nas gamas até 5 anos e consiste na elevação artificial da temperatura do vinho de forma a promover a aceleração da sua evolução. Tradicionalmente realizado em armazéns aquecidos com recurso a ar quente, é hoje realizado em cubas de inox equipadas com sistemas de circulação de água quente, que permitem um aquecimento mais homogéneo do vinho e um controlo superior das temperaturas, que, por lei, não podem ultrapassar os 50ºC.
Este processo decorre durante um período mínimo obrigatório de 3 meses, a partir do qual o vinho pode persistir na cuba à temperatura ambiente ou pode ser transferido para cascos de madeira para um estágio mínimo de 12 meses. Após a conclusão da sua evolução, faz-se o loteamento e é efectuado o engarrafamento.

* Canteiro
Reservado para as gamas de vinhos de qualidade superior, neste método, o vinho é colocado em barricas e as barricas são colocadas inicialmente nos andares superiores dos armazéns, junto aos travejamentos (canteiros) do telhado, onde o calor do sol se faz sentir de forma mais intensa.
Deste modo, potencia-se uma forte extração de aromas e de taninos da madeira.
Com o decurso da maturação, as barricas vão sendo transportadas para os andares inferiores, onde as temperaturas se revelam mais baixas.
Com a madeira a revelar-se menos rica em aromas e taninos, nesta fase procura-se que a evolução aconteça de uma maneira mais lenta.
Actualmente, encontra-se estabelecido por lei que, para os vinhos estagiados pelo método de Canteiro, terão que passar-se pelo menos 36 meses entre a aguardentação e o engarrafamento. 
O vinho deve permanecer, no mínimo, 2 anos em madeira.

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