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O PROCESSO DE VINIFICAÇÃO - VINHOS DE COLHEITA TARDIA



Reza a história que os monges do Mosteiro Kloster Johannisberg, na Alemanha - que tinham que esperar pela autorização para vindimar por parte do soberano de Fulda, que se encontrava a 150 km do mosteiro -, no Outono de 1775, receberam essa autorização bastante mais tarde devido a um atraso do mensageiro, que viajava a cavalo, e quando chegaram às vinhas, as uvas Riesling já se encontravam em sobrematuração, a murchar nos cachos.
Ainda assim, os monges decidiram vindimar e vinificar as uvas murchas e quase em passa, na esperança de conseguirem produzir o seu vinho, como habitualmente, mas o resultado foi tão surpreendente que decidiram repeti-lo dali em diante, para recriarem aquele vinho único, e assim nasceram os vinhos de colheita tardia.


Realizados a partir de uvas em sobrematuração, neles estão incluídos os:
- Ice Wine (Canadá, Alemanha, Suíça, Áustria, Geórgia e Moldávia) - deixam as uvas congelarem na videira, processo que desidrata a uva;
- Tokaj (Hungria) - por acção do fungo Botrytis Cinerea, fenómeno apelidado de "Podridão Nobre", com a uva ainda na videira;
- Sauterne (França) - por acção do fungo Botrytis Cinerea, fenómeno apelidado de "Podridão Nobre", com a uva ainda na videira;
- Passito (Itália) - colocam os cachos em caixas, esteiras ou pendurados num local seco e fresco, deixando transformar a uva em passa.


Em Portugal, os vinhos de colheitas tardias começaram a ganhar maior expressão na última década e contam já com assento em todas as regiões vitivinícolas do país. Realizados geralmente com castas brancas, recorre-se, no entanto, a castas muito diferentes, de acordo com a doçura e/ou acidez pretendidas. Entre as mais frequentes destacam-se as castas Fernão Pires (Maria Gomes), Semillion, Malvasia Fina, Moscatel, Petit Manseng, Arinto (Pedernã) e Cercial. Mas já se fazem também vinhos de colheita tardia de castas tintas, como de Touriga Nacional, por exemplo.


Etapas da Vinificação de Vinhos de Colheita Tardia


1. Sobrematuração

A sobrematuração é o estado de amadurecimento das uvas em que a maturação ideal foi ultrapassada e que se caracteriza por um elevado grau de desidratação do bago devido à cessação das trocas entre os bagos de uva e as videiras. Este facto conduz ao aumento dos teores de açúcares e ácidos presentes na polpa, o que se traduz na obtenção de mostos muito concentrados. Constata-se também um aumento do rácio película-para-polpa (a polma desidrata e diminui de volume) e consequentemente uma maior concentração de aromas e taninos. No entanto, dado a avançado estado de maturação das uvas, os taninos apresentam uma adstringência muito suave, dando origem a vinhos mais untuosos do que adstringentes.
No que respeita à forma de condução até à sobrematuração necessária para este estilo, esta pode ser realizada por sobrematuração simples das uvas ou por auxílio do fungo Botrytis Cinerea (ou "Podridão Nobre"). O modo como é efectuada a sobrematuração influencia bastante o perfil organoléptico dos vinhos.


2. Recepção e Desengace

Antes de se iniciar a vinificação propriamente dita, é muitas vezes necessário, quer nos vinhos cuja sobrematuração ocorreu na vinha, quer naqueles em que a sobrematuração se processou na adega (estilo passito), efectuar uma escolha para eliminar folhas, gavinhas e bagos podres (estragados).
Na vinificação dos vinhos de colheita tardia é frequente o recurso ao desengaçador/esmagador, uma vez que, não só é comum a realização de macerações pré-fermentativas, em que a presença do engaço poderia conduzir ao aparecimento de aromas indesejados (herbáceos), como também o esmagamento dos bagos facilita a sua prensagem.


3. Prensagem

A prensagem é realizada de forma suave para que se evite a extração dos aromas/sabores desagradáveis das graínhas, uma vez que o bouquet destes vinhos é composto especialmente pelos aromas primários, o que o torna particularmente sensível a estes aromas, dado que facilmente se tornam evidentes.


4. Decantação

A sobrematuração conduz a que as películas das uvas se apresentem muito frágeis, pelo que, após a prensagem, é vulgar a presença de uma grande quantidade de suspensões (borras), tornando-se necessária a realização de uma decantação. Desta forma, o mosto é deixado em repouso durante 24 a 48 horas para que as suspensões sedimentem, efectuando-se em seguida a sua transfega.


5. Fermentação

A fermentação dos vinhos de colheita tardia é realizada em cuba ou em barrica, de acordo com o estilo de vinho que se pretende. Todavia, é sempre importante que se disponha de um sistema de controlo de temperatura eficaz, pois estes vinhos têm de ser fermentados a temperaturas relativamente baixas (entre os 12ºC e os 16ºC) de modo a salvaguardar a preservação da sua riqueza aromática.
Trata-se de uma fermentação parcial, uma vez que se pretende que estes vinhos apresentem, no final, uma concentração de açúcares residuais ainda elevada. Impõe-se, também, a utilização de leveduras seleccionadas que, não só consigam ser eficazes a baixas temperaturas como, acima de tudo, sejam resistentes a elevadas concentrações de álcool, dado que é frequente estes vinhos possuírem teores alcoólicos bastante elevados (10% a 16% em volume), alcançandos por fermentação natural.
Nos vinhos fermentados em barricas, é também frequente o recurso a bâtonnage - "agitação" do vinho através de uma vara (bâton), para trazer à superfície as borras que se depositam no fundo das barricas - de forma, não apenas a enriquecer a sua complexidade aromática e a sua untuosidade, como também a facilitar a colonização do mosto pelas leveduras. As baixas temperaturas e os elevados teores de álcool dificultam a actividade das leveduras, conduzindo a que a fermentação demore, muitas vezes, mais de um mês.
A cessação da actividade das leveduras(fermentação) é normalmente realizada através da diminuição da temperatura e a adição de anidrido sulfuroso.
Nos vinhos de colheita tardia, é frequente o recurso a estágios em barrica (geralmente de carvalho com tostas ligeiras), de modo a enriquecê-los em aromas e taninos, imprimindo aromas suaves, como baunilha e notas balsâmicas.


6. Transfega

Após a fermentação ou o estágio é importante deixar que as borras sedimentem, procedendo-se de seguida à transfega do vinho. Esta operação é especialmente importante nos vinhos de colheita tardia em que se opte por não filtrar, para que sejam eliminadas as leveduras, evitando assim que a fermentação recomece indesejavelmente, uma vez que o vinho possui uma elevada concentração de açúcares.
Os processos de estabilização dos vinhos de colheita tardia têm por principal objectivo a sua estabilização biológica. Deste modo, procede-se geralmente à filtração deste tipo de vinho, de forma a garantir a eliminação de leveduras.

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